O Programa ajuda a transformar as práticas de cuidado e a criar redes de apoio que acompanham os estudantes também na vida adulta
O mês de agosto marca o aniversário de criação de duas iniciativas importantes da saúde pública no Brasil: as Políticas Nacionais de Atenção Integral à Saúde das Mulheres (PNAISM) e à Saúde do Homem (PNAISH). Criadas na primeira década dos anos 2000, elas se baseiam em dados demográficos e aspectos socioculturais, político-econômicos, históricos e de gênero para propor diretrizes alinhadas com as necessidades das brasileiras e dos brasileiros no que diz respeito à prevenção, promoção, tratamento e recuperação da saúde.
Essas duas políticas são transversais e complementares às demais que integram o serviço público de saúde brasileiro, dentre elas, o Programa Saúde na Escola (PSE). Prestes a completar 18 anos, o Programa articula saúde e educação, transformando as práticas de cuidado entre 26,9 milhões de estudantes, da creche à Educação de Jovens e Adultos (EJA). Ao trazer a saúde para o dia a dia de mais de 104 mil escolas, o PSE também aproxima as famílias e as comunidades do Sistema Único de Saúde (SUS), fortalecendo o acesso a direitos fundamentais e o exercício da cidadania.
A importância do PSE para o fortalecimento da PNAISM e da PNAISH pode ser melhor compreendida quando olhamos as diretrizes dessas três iniciativas. Elaboradas em consonância com os princípios do SUS – universalidade, equidade e integralidade -, elas têm a abordagem integral da saúde como base de suas ações, o que significa que compreendem a saúde não somente como ausência de doença, mas também como um estado de bem-estar físico, mental e social.
No caso do PSE, o caráter da integralidade também se aplica no que diz respeito à educação. Como explicado por Alexandre Falcão, Coordenador de Projetos na Coordenação-Geral de Educação Integral e Tempo Integral do Ministério da Educação (MEC), a educação integral envolve não somente o aspecto cognitivo, mas também as dimensões estética, artística, de saúde, sócio-emocional e outras. “E, para isso, a articulação do PSE é fundamental! A gente considera as escolas e a educação básica como um grande campo de acesso, pelas populações, crianças, jovens e adolescentes, às políticas de prevenção e de promoção da saúde”, disse em entrevista ao ‘Fortalece PSE!’ durante oficina de capacitação de gestores(as) estaduais do Programa.
Outro aspecto comum às três políticas é a construção coletiva. Tanto a PNAISH quanto à PNAISM são resultado de um processo que envolveu gestores(as) da saúde, sociedade civil organizada, acadêmicos(as), pesquisadores(as) e outros setores. Suas diretrizes também prevêem a participação social na execução e avaliação das atividades.
No caso do PSE, o Decreto nº 6.286/2007 estabelece a participação da comunidade escolar e das equipes de saúde da família nas estratégias de integração e articulação entre as políticas e ações de educação e saúde. A participação social se faz presente desde a base, com envolvimento de jovens mobilizadores(as); docentes, estudantes e voluntários(as) de Instituições de Ensino Superior (IES); gestores(as) e profissionais da saúde e da educação, e representantes de entidades da sociedade civil em cursos oferecidos pelo ‘Fortalece PSE!’. Essas capacitações visam garantir maior eficiência e impacto no planejamento e execução das ações do Programa, bem como contribuir com sua sustentabilidade e continuidade ao longo dos anos.
É importante ressaltar que, ao envolver diferentes camadas sociais na construção, execução e avaliação de suas ações, as três políticas públicas democratizam o debate sobre direitos fundamentais e permitem direcionar ações mais adequadas às necessidades e especificidades da população brasileira.

Temáticas orientadoras comuns
Outro aspecto que evidencia a relevância do PSE no fortalecimento das Políticas Nacionais de Atenção Integral à Saúde das Mulheres e à Saúde do Homem é o fato de que as três iniciativas apresentam uma série de temáticas comuns. Esses temas deram base à construção desses programas e orientam também as atividades desenvolvidas por eles.
Antes de olhar para cada uma delas, vale destacar dois aspectos que atravessam as temáticas orientadoras das três políticas públicas. O primeiro deles é a questão de gênero, construção histórica e sócio-cultural que acaba por estabelecer hierarquias entre homens, mulheres e pessoas LGBTQIA+, bem como no interior de cada um destes grupos.
O desequilíbrio nas relações de gênero se reflete na elaboração e aplicação de leis, nas políticas e nas práticas sociais. No caso da saúde, pode ser observado em questões como a baixa procura pelos serviços de saúde por meninos e homens, em função de uma crença na invulnerabilidade masculina, e por uma maior exposição de mulheres a agravos de saúde em função de questões como sobrecarga de tarefas e violência doméstica e sexual.
O outro aspecto que atravessa os temas orientadores do PSE, da PNAISM e da PNAISH é a discriminação étnico-racial, que atinge principalmente as populações negras e indígenas. Seus impactos na saúde podem ser observados quando olhamos os números sobre mortalidade materna e infantil, sobre prevalência de doenças crônicas e infecciosas, sobre índices de violência e outros. A título de exemplo, dados do Ministério da Saúde (MS) mostram que, em 2022, a taxa de óbitos maternos entre mulheres pretas foi mais que o dobro que entre as brancas: foram 100,38 mortes de mães negras para cada 100 mil nascidos vivos contra 46,56 de mães brancas.
Ao abordar suas 14 temáticas, trazendo em consideração e em debate questões de gênero e a discriminação étnico-racial, o PSE contribui para transformar as ações de cuidado e ajuda a quebrar paradigmas, estereótipos e barreiras históricas, sociais e culturais que dificultam o acesso à saúde pelos(as) estudantes, suas famílias e suas comunidades.
Uma dessas temáticas é a saúde sexual e reprodutiva, que também guiou a elaboração da PNAISM e da PNAISH. Nas diretrizes das duas políticas, o tema é abordado tendo em perspectiva questões como planejamento familiar, paternidade responsável, corresponsabilidade na reprodução e na contracepção, prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e Aids, e oferta de atendimento obstétrico qualificado e humanizado.
As ações educativas sobre saúde sexual e reprodutiva do PSE contribuem com o enfrentamento à violência sexual; com a redução de riscos de exposição a ISTs/HIV e com o fortalecimento da autonomia decisória e responsabilização de adolescentes e jovens quanto à contracepção, reprodução, maternidade e paternidade responsáveis, e busca pelos direitos de saúde das gestantes. Falar sobre saúde sexual e reprodutiva nas escolas é também estimular comportamentos de autocuidado e respeito – consigo e com o outro -, e assegurar que as sexualidades possam ser expressadas sem preconceito, discriminação, violência ou coerção.
Outra preocupação transversal ao PSE e às Políticas Nacionais de Atenção Integral à Saúde das Mulheres e à Saúde do Homem é a prevenção de violência e acidentes e a promoção da cultura de paz. Como apontado no documento orientador da PNAISM, a violência afeta os homens e as mulheres de maneiras distintas: “enquanto a mortalidade por violência afeta os homens em grandes proporções, a morbidade, especialmente provocada pela violência doméstica e sexual, atinge prioritariamente a população feminina” (MS, 2011). Esse cenário reflete a desigualdade de gênero, explanada acima.
No PSE, a abordagem deste tema pode se dar a partir de atividades que tragam em perspectiva questões como diversidade sexual, bullying, homofobia, discriminação e preconceito. Fazer um diagnóstico das situações de violência que possam estar interferindo na saúde e na aprendizagem dos(as) estudantes pode ajudar a fortalecer a cultura de paz e prevenir a violência. Estabelecer um diálogo entre profissionais da saúde e da educação, membros da comunidade escolar e pais, mães e responsáveis, aumenta as chances de sucesso dessas ações.
A prevenção ao uso de álcool, tabaco e drogas também é um tema caro às três políticas públicas de saúde em questão. Além dos prejuízos decorrentes da condição do vício, o uso dessas substâncias também aumenta os riscos de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, pulmonares e cânceres. Usuários de álcool e drogas também se tornam mais suscetíveis a acidentes e a cometer e/ou se envolver em situações de violência.
Nos adolescentes, o uso dessas substâncias pode acarretar problemas como déficit de memória; dificuldades de aprendizado e no rendimento escolar; prejuízos no desenvolvimento cognitivo-emocional; maior probabilidade de desenvolver transtornos de saúde mental e comprometimento de relações e habilidades sociais. A condução de diálogos e a realização de ações educativas pelo PSE ajudam a conscientizar os(as) educandos(as) sobre estes e outros riscos.
Trabalhar a saúde na base é dar aos brasileiros e às brasileiras as ferramentas que precisam para exercer este e outros direitos. Os resultados das ações do PSE ultrapassam os muros das escolas e têm impactos nos territórios; na elaboração, implementação e execução de outras políticas públicas, e nos investimentos em saúde.